Com superfície de 1.223 km², o sistema marítimo da Baía de Todos os Santos compreende ainda as baías de Aratu e Iguape, o que a torna o segundo maior acidente geográfico deste tipo no Brasil. Em relação ao contexto mundial a BTS é a quarta maior, sendo superada pelas Baía de Bengala, no sul da Ásia (Oceano Índico), com área 2.172 km²; pela Baía de São Marcos, no Maranhão, com 2.025 km²; e pela Baía de Hudson, no Canadá, com 1.230 km².
A BTS apresenta-se como uma reentrância costeira pela qual o mar penetra no interior do continente a partir de um estreitamento principal de cerca de 9 km de largura entre a Cidade de Salvador e a Ilha de Itaparica. A profundidade média da baia é de 9,8 m, atingindo cerca de 70m em sua parte mais profunda (CRA, 2001; LANDIM DOMINGUES; BITTENCOURT 2009; CIRANO 7 LESSA, 2014). No interior da BTS são encontradas 56 ilhas, sendo a de Itaparica a maior ilha marítima do Brasil, além de estuários de rios que aí desaguam (rios Paraguaçu, Jaguaripe e Subaé) manguezais, restingas e matas que compõem seus ecossistemas e formam as paisagens naturais.
De paisagem natural e território de ocupação indígena até o século XV, no início do século XVI a Baía tornou-se o principal portal de acesso ao território que veio posteriormente a abrigar vilas, cidades, municípios, populações e patrimônio erigido que conformam a paisagem humana e histórico-cultural de seu entorno e porção insular.
Seus contornos compreendem catorze municípios, sendo doze destes situados na porção costeira: Cachoeira, Candeias, Jaguaripe, Madre de Deus, Maragogipe, Salinas da Margarida, Salvador, Santo Amaro, São Felix, São Francisco do Conde, Saubara, Simões Filho; e dois na parte insular: Itaparica e Vera Cruz. Todos esses se integram por meio do sistema hídrico que compartilham, da navegação e/ou características histórico-culturais que lhes são comuns. Os catorze municípios abrigam uma população total de 2.783.738 habitantes (IBGE; Censo 2010), contudo, 87,76% desta se encontra no município de Salvador, que é preponderantemente urbano.
Na caracterização do entorno da Baía pode-se considerar apenas as áreas margeadas e suas populações ribeirinhas ou estender seus limites às regiões em que se verifiquem continuidades identitárias importantes. Um dos nossos questionamentos é a respeito de quais aspectos poderemos caracterizar o “entorno da BTS e sua extensão” de forma que alcance densidade conceitual, ampliando os limites do reconhecimento estritamente geográfico?
Os problemas de delimitação e conceituação não se restringem ao entorno da Baía. A própria caracterização do Recôncavo não foge às mesmas dificuldades geopolíticas: pesquisadores como Maria Brandão (2007) e Milton Santos (1956), por exemplo, indicam delimitações diferenciadas. Conforme esclarece Brandão (2007), desde meados dos anos 1970 o interesse do Governo Federal foi crescentemente dirigido à Região Metropolitana de Salvador (RMS), provocando uma redefinição do termo “recôncavo”, que passa a excluir a própria RMS e os municípios ao norte e oeste dessa região, ficando restrito à região sul e mais 14 municípios de regiões próximas. Pode-se afirmar, então, que os Recôncavos são muitos e, principalmente, que são “moventes”, tendo os seus limites administrativos, econômicos e culturais se modificado ao longo do século passado.
A controvérsia dos limites é um indicador das diferenças que atravessam o entorno da Baía de Todos os Santos e que marcam fortemente a sua ocupação e o desenvolvimento posterior, conformando, ao longo da história, territórios culturais bem demarcados. Como região subsidiária de Salvador, importante referência da “baianidade”, espaço marcado pela pluralidade e enormes desigualdades sociais – estas são diferentes possibilidades de se compreender o entorno da Baía (PEDRÃO, 2007).
Atualmente, essas regiões enfrentam novos desafios em razão da intensificação do seu potencial de atração de visitantes nacionais e estrangeiros, bem como das novas formas de relação com a cidade que é a capital do estado. Analisando a Baía e as condições de vida das populações do entorno, Brito (2001) afirma que apesar de todos os problemas que envolvem riscos de natureza ambiental, a Baía apresenta condições de retomar a sua importância no cenário nacional e internacional. Mas para isso, é necessário um grande projeto metropolitano que considere toda a diversidade ambiental, social e cultural existente, revitalizando a economia regional por meio de várias formas de investimentos em setores produtivos que valorizem e aproveitem adequadamente seus potenciais e recursos humanos disponíveis, assim como na alternativa representada pela denominada indústria do turismo.
Do ponto de vista das pesquisas sobre a Baía de Todos os Santos, observa-se marcada assimetria entre a importância histórica das regiões do seu entorno para a formação da identidade baiana e a escassez de trabalhos que enfoquem a sua diversidade. Por outro lado, Pedrão (2007) aponta a emergência de novos enfoques que buscam superar a perspectiva tradicional escravista, por meio de uma abordagem mais refinada da complexidade dos processos envolvidos nas transformações históricas da região, reconhecendo que “É um problema de sociologia histórica que leva a substituir termos genéricos, tais como o negro, o índio, os pobres, os senhores de engenho, por terminologia mais específica, que revela a pluralidade. Passa-se a falar de diferentes grupos de negros no ambiente rural e urbana e com diferentes tradições; de diversos remanescentes indígenas e da presença indígena na esfera da escravidão; de multiplicidade de condições de pobreza e de diversos capitalistas (…).” (2007, p. 11)
Mesmo decorridas quase duas décadas desde a constatação feita por Pedrão (2007), pode-se reafirmar ainda ser persistente a falta de articulação entre as perspectivas historiográfica, demográfica, econômica, sociológica e antropológica. Às mencionadas perspectivas pode-se adicionar outras que transgridem fronteiras disciplinares e campos de saberes científicos, de maneira que seja possível compreender a Baía e suas populações mais vulneráveis – populações que dependem primordialmente das atividades “tradicionais” para sua reprodução – por meio de abordagens científicas transversais, articuladas e interdependentes.
Referências
BRANDÃO, M. A. Os vários recôncavos e seus riscos. Revista do Centro de Artes, Humanidades e Letras. v. 1 (1), Salvador, 2007.
CAROSO, Carlos; TAVARES, Fátima; PEREIRA, Cláudio (Ed.). Baía de Todos os Santos: aspectos humanos. SciELO-EDUFBA, 2011.
CAROSO, Carlos; TAVARES, Fátima; TELES, Carlos. The Socio-Environmental Vulnerability of Traditional Peoples and Poor Populations in Brazil. In, REUTER, Thomas. Averting aGlobal Environmental Collapse: The Role of Anthropology and Local Knowledge. Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing, 2015, v.1, p. 23-42. p. 23, 2015.
CIRANO, Mauro; LESSA, Guilherme Camargo. Oceanographic characteristics of Baía de Todos os Santos, Brazil. Revista brasileira de geofísica, v. 25, p. 363-387, 2007.
CRA. Avaliação das águas costeiras superficiais, BTS – Praias de Salvador. Salvador, BA. março/2001.
LANDIM DOMINGUES, J. M.; BITTENCOURT, A.C.S.P. A origem da Baia de Todo os Santos. Salvador, Jornal A Tarde. 20 de setembro de 2009.
PEDRÃO, F. Novos e velhos elementos da formação social do Recôncavo da Bahia de Todos os Santos. Revista do Centro de Artes, Humanidades e Letras. v. 1 (1), 2007.
SANTOS, Milton. O Papel metropolitano da cidade do Salvador. Bahia, Brasil e América Latina, p. 11, 1956.
TAVARES, F.; CAROSO, C.; TELES, C. Indicadores socioambientais e vulnerabilidades das populações e povos da Baía de Todos os Santos. In HATJE, V.; ANDRADE, J.; DANTAS, L. V. Orgs., Baía de Todos os Santos: avanços nos estudos de longo prazo. Salvador: EDUFBA, 2018.