A linha de pesquisa “Vulnerabilidades socioambientais” tem como objetivos principais:
• Identificar e mapear (na escala 1:50.000) os principais ecossistemas no entorno da BTS, com ênfase naqueles diretamente utilizados pelas comunidades tradicionais tais como manguezais, planícies arenosas, recifes de corais, diferentes substratos do fundo marinho etc.;
• Integrar no mapeamento temático do meio físico com as atividades de caráter socioeconômico levantadas nos três itens anteriores acima;
• Identificar e avaliar os riscos e vulnerabilidade ambientais com foco multidimensional, conforme mencionado anteriormente, incorporando os diferentes cenários futuros de mudanças climáticas (p. ex., elevação do nível do mar, erosão costeira, alterações ecossistêmicas etc.);
• Subsidiar as comunidades tradicionais da BTS a identificar e construir estratégias de adaptação frente aos diferentes cenários de risco, mudanças socioambientais futuras e das vulnerabilidades associadas.
Fundamentação Teórica
A noção de risco encontra-se aparentemente bem difundida, tornando-se o centro das discussões nos setores empresariais, centros acadêmicos, sociedade civil em geral e instâncias governamentais (CASTRO et al., 2005). Isso se deve talvez à freqüente sensação de incerteza e insegurança pela qual a sociedade, de maneira geral, vem passando (MARANDOLA Jr; HOGAN, 2004).
Mesmo sendo difundida, a noção de risco é entendida e usada de diferentes formas pelo senso comum e pela comunidade científica, causando assim confusões e equívocos (CASTRO et al., 2005). Tendo em vista esta perspectiva, entende-se e defini-se o risco como a possibilidade de uma situação de perigo transformar-se em um desastre; considerando o perigo como um substantivo – a ameaça em si, o risco como a possibilidade – uma situação ou condição e o desastre como o risco consumado, gerador de impactos (MARANDOLA Jr; HOGAN, 2004; CASTRO et al., 2005; MATTEDI; BUTZKE, 2001; DELICADO; GONÇALVES, 2007; NAVARRO; CARDOSO, 2005).
Os estudos acerca do risco e da percepção do risco têm sido desenvolvidos nas mais diversas áreas dos saberes, das ciências ambientais às sociais, passando pelas ciências da saúde e a área financeira. Nesta multiplicidade de estudos, identificam-se algumas categorias diferentes de risco, ou seja, dependendo da abordagem define-se o enfoque do risco: social, ambiental, financeiro, sanitário, tecnológico, nuclear, dentre outros (MARANDOLA Jr; HOGAN, 2004; CASTRO et al., 2005; MATTEDI; BUTZKE, 2001; ADEOLA, 2007; SJÖBERG, 1998; SLOVIC, 1987).Os estudos pioneiros sobre o tema foram realizados principalmente por geógrafos e engenheiros, apresentando uma abordagem fortemente marcada pela leitura objetivista, encarando o risco num sentido probabilístico. Até hoje, as abordagens objetivistas destes estudos trazem consigo métodos e técnicas de pesquisa, como a quantificação, que tendem a reduzir os fenômenos a um pequeno contexto de causação (MARANDOLA Jr; HOGAN, 2004; CASTRO et al., 2005; MATTEDI; BUTZKE, 2001).
A partir das décadas de 1960 e 1970 os trabalhos e pesquisas nesta área do conhecimento foram ampliados através da perspectiva da antropologia e da sociologia. Este novo olhar é orientado por uma abordagem subjetivista, entendendo que o risco só pode existir a partir das relações sociais. Porém, algumas abordagens subjetivistas enfrentam problemas referentes à dificuldade de trabalhar com sistemas complexos e dinâmicos, além da incerteza proveniente do relativismo e dos dados qualitativos (MARANDOLA Jr; HOGAN, 2004).
A tendência atual leva em consideração a necessidade de se incorporar tanto os aspectos físicos como os sociais, buscando abordagens mais conjuntivas, menos parcelares e mais complexas. Entende-se que o diálogo entre as diferentes perspectivas e abordagens é fundamental para compor um quadro analítico mais rico e mais próximo da realidade, entendendo assim sua multidimensionalidade (MARANDOLA Jr; HOGAN, 2004).
Já a percepção de risco pode ser entendida como uma abordagem do risco através do “filtro” da sociedade, sendo um julgamento das pessoas, na escala individual ou coletiva, quando indagadas a avaliar e caracterizar alguma atividade perigosa e situação de risco (MARANDOLA Jr; HOGAN, 2004; ADEOLA, 2007; SJÖBERG, 1998; SLOVIC, 1987; NAVARRO; CARDOSO, 2005).
Os estudos de percepção de risco foram desenvolvidos inicialmente para compor os estudos de avaliação e gestão do risco, na tentativa de enriquecer este modelo teórico utilizado por geógrafos, engenheiros e profissionais da área da saúde. Acreditava-se que estes estudos de identificação, avaliação e gestão do risco poderiam, de alguma forma, diminuir as incertezas com as quais convivemos diariamente (MARANDOLA Jr: HOGAN, 2004).
Estes primeiros trabalhos objetivistas abriram caminho para novos estudos com uma abordagem mais subjetivista, a partir do olhar das ciências sociais. Nesta abordagem, a percepção do risco leva em consideração aspectos culturais e socioconstrucionistas (MARANDOLA Jr; HOGAN, 2004).
Dentro da abordagem subjetivista, desenvolvem-se inicialmente duas linhas de pesquisas: a psicométrica, enfocando principalmente os fatores cognitivos, a escala individual e as diferenças de percepções em um grupo social, através principalmente dos estudos de B. Fischhoff e P. Slovic; e a cultural, abordando ao invés do contexto individual, o contexto sociocultural, entendendo o papel da cultura na delimitação e percepção do risco, através principalmente dos estudos de M. Douglas e A. Wildavsky (ADEOLA, 2007; SJÖBERG, 1998; SLOVIC, 1987).
Entendendo também a multidimensionalidade da percepção do risco, estudos mais contemporâneos trabalham em uma abordagem construcionista, unindo fatores físicos e sociais, fatores individuais e coletivos além de fatores pessoais e sociais (MARANDOLA Jr; HOGAN, 2004).
A zona costeira constitui a interface entre o continente, o oceano e a atmosfera. Por esta razão esta região se caracteriza por uma variedade de gradientes físico-químicos que possibilitam o aparecimento de um grande número de habitats, que representam importantes recursos naturais para as comunidades tradicionais, possibilitando a prática de uma série de atividades extrativistas (pesca, mariscagem, transporte, material para construção de embarcações etc.).
Devido à crescente pressão para ocupação da zona costeira, que hoje em termos mundiais, concentra cerca de 60% da população, esta região extremamente rica em termos de recursos naturais, tem sido severamente impactada pela prática de múltiplos usos. Estes impactos têm comprometido a qualidade ambiental desta região (p.ex. poluição, assoreamento, aterros), o que tem afetado diretamente a resiliência dos ecossistemas naturais. Isto por si só já resulta em aumento da vulnerabilidade desta região e das suas comunidades tradicionais, principalmente frente a um cenário de incertezas representadas pelas mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global e suas previsões de aumento do nível do mar e alteração dos gradientes físico-químicos da zona costeira. Assim, uma abordagem multidimensional da vulnerabilidade e percepção do risco, não pode prescindir de um levantamento detalhado do ambiente físico ao qual as populações tradicionais se encontram intrinsecamente relacionadas.